Calor extremo, seca extrema, incêndios extremos: o “novo normal” exige respostas à altura

A seca, as ondas de calor e os incêndios devastadores não podem ser enfrentados com medidas superficiais, muito menos mantendo tudo como está. As alterações climáticas não são uma ameaça distante, mas uma realidade que exige ação imediata.

CLIMA

10/10/20235 min read

Portugal já não está imune aos efeitos das alterações climáticas, com as ondas de calor, a seca persistente e os mega-incêndios a deixarem de ser apenas eventos pontuais, mas sim o nosso “novo normal”. Segundo o novo relatório do Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas (IPCC), fenómenos como temperaturas elevadas, secas intensas, diminuição da precipitação e aumento do risco de incêndios terão tendência a agravar-se em Portugal nas próximas décadas, como consequência do aquecimento global. A nossa vulnerabilidade a estes desafios é agravada pela probabilidade de um aumento de temperatura de 2°C ou mais. Como resultado, setores como a agricultura e a gestão hídrica em algumas regiões enfrentarão impactos significativos, como já se começa a verificar.

Este ano, vivenciamos um mês de agosto escaldante, com temperaturas que bateram recordes históricos. De facto, o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) revelou que agosto foi o quinto mais quente desde 1931. Além disso, duas ondas de calor afetaram várias regiões do país. Ao mesmo tempo, não podemos ignorar a situação de seca que afetou 97% do nosso território, 46% da qual foi classificada como seca severa e extrema. A diminuição dos níveis de água no solo é um problema crescente, especialmente nas regiões do Vale do Tejo, Alentejo e Algarve, onde a percentagem de água no solo está abaixo dos 10%.

De mão dada com as altas temperaturas e a falta de água, o problema dos mega-incêndios, que queimam áreas superiores a 10 mil hectares, torna-se também cada vez mais evidente. Embora o número total de incêndios tenha diminuído nas últimas duas décadas, a área queimada a cada incêndio aumentou significativamente. Um olhar atento para os dados revela esta tendência alarmante: se, em 2001, Portugal enfrentou 28.915 incêndios, que resultaram em 117.420 hectares queimados, mais de duas décadas depois, em 2022, embora tenham ocorrido apenas 10.390 incêndios, a área ardida foi praticamente igual, alcançando 110.097 hectares.

A situação é crítica e o “novo normal” exige respostas à altura. A seca, as ondas de calor e os incêndios devastadores não podem ser enfrentados com medidas superficiais, muito menos mantendo tudo como está. As alterações climáticas não são uma ameaça distante, mas uma realidade que exige ação imediata. Precisamos de planos concretos para combater a seca através de uma gestão eficiente e sustentável da água, para responder melhor aos incêndios com o ordenamento das florestas e a profissionalização dos bombeiros, assim como para descarbonizar a nossa economia, da produção de energia aos transportes, de maneira a reduzir as emissões que agravam todos estes problemas.

A barragem de Santa Clara, no Sudoeste Alentejano, encontra-se num estado preocupante: atualmente, está a apenas 31% da sua capacidade máxima e, desde 2014, não conseguiu recuperar o seu volume. Esta barragem fornece 14 milhões de metros cúbicos anuais à agricultura, juntamente com mais quatro milhões para abastecimento público e industrial. No entanto, até setembro, já foram usados na agricultura 9,4 dos 14 milhões de metros cúbicos autorizados para 2023.

A crise da água em Santa Clara ocorre ao mesmo tempo que o governo promove investimentos em projetos de agricultura intensiva no Sudoeste Alentejano. Em apenas uma década, os frutos vermelhos, como mirtilos e framboesas, passaram de representar 3,5% da área regada por Santa Clara, em 2012, para 25%, em 2022. Embora o governo argumente que estas culturas visam "garantir a soberania alimentar", a realidade é que elas têm um papel predominante nas exportações.

Esta tendência tem contribuído para uma crescente desigualdade entre pequenos e grandes agricultores, à medida que a água se torna mais escassa. A falta de transparência na divulgação dos beneficiários com áreas superiores a 100 hectares só agrava o sentimento de injustiça social, assim como os inúmeros furos subterrâneos de captação de água para o abastecimento de estufa, que começam a fazer com que poços sequem e habitantes fiquem sem água para uso doméstico.

Já no caso do Alqueva, a barragem tornou-se crucial para a cultura do olival intensivo que sustenta a produção e exportação de azeite, permitindo que a produtividade da azeitona na região do Alentejo se multiplicasse aproximadamente quatro vezes entre 2010 e 2021. Mais recentemente, as transferências de água para os perímetros de rega confinantes à Barragem do Alqueva aumentaram drasticamente em 2022, devido à diminuição das albufeiras de Campilhas e Alto Sado, Roxo, Vigia e Odivelas.

A crise da água em Santa Clara e o aumento da procura no Alqueva são um alerta para a necessidade urgente de uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos em Portugal, assim como da recusa de políticas que favorecem a agricultura intensiva, voltada principalmente para a exportação de produtos que consomem grandes quantidades de água, adotando políticas que visem uma verdadeira soberania alimentar, baseada em modelos agrícolas sustentáveis.

Além disso, Portugal perde milhões de litros de água devido a sistemas de distribuição obsoletos, com fugas e avarias. Segundo a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), o país perdeu, em 2020, água suficiente para abastecer mais de meio milhão de famílias, pelo que é essencial requalificar a rede de distribuição de água para reduzir as perdas.

Com a falta de água não se brinca

Alterações climáticas e má gestão de território:
e a culpa é dos bombeiros?

Nos primeiros seis dias de agosto, Portugal assistiu à destruição de quase nove mil hectares de terra, metade do total de 19.124 hectares de área ardida registados desde o início do ano. Estes incêndios coincidiram com uma onda de calor avassaladora, acompanhada por um período de seca intensa. Como sempre, houve quem procurasse bodes expiatórios, inclusive apontando os bombeiros como supostos vilões, como se o verdadeiro problema não fosse a má gestão do território que, aliada às alterações climáticas, cria as condições ideais para o deflagrar de fogos difíceis de controlar.

A floresta em Portugal, 84,2% propriedade privada, é ocupada em quase 75% pelas 3 espécies de maior valor económico, o eucalipto, o sobreiro e o pinheiro bravo. O mau ordenamento florestal - com vastas áreas de floresta privada abandonada, monoculturas e falta de reflorestação com espécies autóctones - torna as nossas florestas mais vulneráveis aos incêndios. Em vez de culpar os bombeiros e os trabalhadores da Proteção Civil pelos incêndios, devemos investir num ordenamento responsável do território, acompanhado de uma gestão florestal sustentável e transparente, capaz de identificar e responsabilizar os proprietários de terras abandonadas.

Apontar os bombeiros como responsáveis pelos incêndios é um erro grave. No entanto, é essencial reconhecer as condições precárias com que trabalham, já que, para combater eficazmente os mega-incêndios, que se preveem cada vez mais frequentes e intensos, é essencial profissionalizá-los e dotá-los dos meios necessários. Isto não se limita ao combate às chamas, mas também envolve atividades de prevenção, ordenamento do território, limpeza e reflorestação com espécies autóctones, pelo que não podemos esquecer que os sapadores florestais e os vigilantes da natureza desempenham aqui um papel crucial e também a eles devem ser garantidas as condições necessárias para realizar o seu trabalho de forma eficaz.