Comunicado do MAS sobre a atual crise política

Assim, a nova crise política que se instalou desde ontem é mais um episódio no agravar da crise do regime em Portugal, alimentada pela grande desigualdade entre o esmagamento das condições de vida de quem trabalha e a acumulação de riqueza pelas elites.

NACIONAL

11/8/20236 min read

O país foi ontem surpreendido com a demissão relâmpago de António Costa, apresentada pelo próprio e rapidamente aceite por Marcelo Rebelo de Sousa, na sequência das buscas e detenções realizadas pela PSP nos ministérios do Ambiente e Infra-estruturas e na residência oficial do primeiro-ministro, no âmbito da investigação do Ministério Público aos contratos para concessão da exploração de lítio e outros metais nas minas do Romano, em Montalegre, e do Barroso, em Boticas, a projeto de criação de um consórcio nacional para produção de hidrogénio em Sines e ainda um projeto de construção de um megacentro de dados em Sines.

Face à queda do governo, o Presidente da República (PR) irá ouvir os partidos e o Conselho de Estado antes de decidir se dissolve o parlamento e convoca novas eleições ou se permite a formação de um novo governo, seja este apresentado pelo PS em uso da sua maioria absoluta, seja por iniciativa presidencial, ou seja, com o PR a nomear um governo de gestão até que sejam realizadas eleições legislativas. Está também em aberto se, apesar de o governo ter caído, o presidente tentará segurar a proposta de Orçamento do Estado para 2024 (OE 2024), mesmo correndo o risco de a sua legitimidade ser questionada, tanto a nível legal, como político.

Corrupção nos negócios do lítio e do hidrogénio:
um mal que é preciso cortar pela raiz

O que está aqui em causa é o conluio entre altos cargos do estado e uma série de empresas privadas. Pelo menos cinco pessoas foram detidas por crimes de prevaricação, de corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e de tráfico de influências, quase todas consideradas do núcleo próximo do primeiro-ministro. A Procuradoria-Geral da República (PGR) confirmou que foram ainda constituídos arguidos João Galamba, o atual ministro das Infra-Estruturas e anteriormente Secretário de Estado do Ambiente e Energia, e Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, somando-se uma investigação autónoma a António Costa, pelo Supremo Tribunal de Justiça, por alguns dos suspeitos terem invocado “o nome e a autoridade do Primeiro-Ministro e a sua intervenção para desbloquear procedimentos” no contexto destas negociatas.

As suspeitas de corrupção em torno destas negociatas, em particular as que envolvem o lítio, já não deveriam ser surpresa e são um exemplo claro de que a transição energética de fachada do PS nada tem a ver com a necessidade de resposta à crise climática, mas sim com o aproveitamento desta para, à boa moda liberal, favorecer negócios lucrativos às grandes empresas do setor energético e mineiro, negócios esses que os governos PS e PSD têm estimulado, favorecido e sustentado com subvenções milionárias do PRR, fundos europeus, isenções e outros apoios pagos pelos nossos impostos.

Curiosamente, toda a esquerda parlamentar parece estar mais preocupada em, tal como o PS, salvar a credibilidade das instituições, remetendo sempre para o bom funcionamento da justiça e debitando recomendações para boa gestão da crise, o que, na prática, significa ajudar a alimentar ilusões nos mecanismos que permitem toda esta desigualdade e injustiça, atuando, assim, no sentido de preservar tudo como está, quando é precisamente este sistema capitalista, com a sua corrupção inerente, com negociatas vantajosas e privilégios de todo o tipo para as elites que nos afundam, que devemos, enquanto esquerda, combater.

Por isso, defendemos:

  • o cancelamento imediato de todos os projetos de mineração de lítio em Portugal, quer estejam em fase de prospecção, avaliação ou de exploração;

  • a rápida apuração de responsabilidades, condenação e confisco dos bens de todos os corruptos envolvidos nas negociatas do lítio e do hidrogénio;

  • um plano para uma transição energética socialmente justa e ambientalmente sustentável, ao contrário do atual, feito para estimular negociatas e acumulação de lucros para as empresas energéticas e mineiras, à custa de megaprojetos nefastos para o ambiente e para as populações.

O governo PS e o OE 2024 podem cair juntos, que não se perde nada

Esta foi a machadada final no governo de António Costa que, desde que assumiu funções, foi alvo de uma série de escândalos e demissões, com o caso Galamba/TAP a atingir um ponto alto de tensão entre o primeiro-ministro e o PR que, na altura, se mostrou preocupado com a decisão de Costa em segurar o ministro das Infra-Estruturas, por considerar que a impunidade ajudaria a criar instabilidade e descrédito nas instituições.

O determinante, no entanto, foi o contexto de fortes mobilizações e greves em vários setores da função pública em enfrentamento com o governo, a que se soma o descontentamento crescente da população com o aumento do custo de vida e a degradação dos serviços públicos, a que o PS sistematicamente escolheu não dar resposta, em claro contraste com os sucessivos benefícios dados às grandes empresas e para a banca que, à custa da inflação e da especulação, continuam a acumular lucros extraordinários.

Assim, a nova crise política que se instalou desde ontem é mais um episódio no agravar da crise do regime em Portugal, alimentada pela grande desigualdade entre o esmagamento das condições de vida de quem trabalha e a acumulação de riqueza pelas elites, aumentando o ressentimento profundo quando estes mecanismos de favorecimento à concentração de riqueza nos grandes grupos económicos, à custa do dinheiro público, e dos quais a corrupção faz parte, se tornam visíveis.

O OE 2024 é mais um capítulo das mesmas políticas, um Orçamento de empobrecimento que ao mesmo tempo que apresenta lucros, isenções e subsídios para grandes empresas e senhorios, aumenta o empobrecimento, os impostos e degradação dos serviços públicos para quem trabalha, sem resolver problemas estruturais nem dar resposta a nenhuma das questões que têm estado no centro das mobilizações sociais.

Por isso, posicionamo-nos:

  • contra qualquer tentativa de aprovação do OE 2024 apresentado pelo governo de António Costa;

  • pela dissolução do atual parlamento e convocação de novas eleições legislativas;

  • pela continuidade das mobilizações sociais e sindicais em defesa dos serviços públicos, do direito à habitação e da melhoria das condições de vida e de trabalho;

  • pela construção de uma verdadeira alternativa política de esquerda, tanto ao PS, como ao PSD e à extrema-direita, que apresente e lute por um projeto para o país que fortaleça os serviços públicos, garanta o direito à habitação, acabe com o aumento do custo de vida e valorize os salários e as pensões.

É preciso construir uma verdadeira alternativa de esquerda

Os trabalhadores devem aproveitar este momento de crise para fortalecer a sua organização e a sua resistência às políticas que PS e PSD vêm aplicando nas últimas décadas. É preciso aumentar as lutas a fim de pressionar este e qualquer eventual novo governo a atender às exigências dos trabalhadores e do povo e avançar na construção de uma alternativa política dos trabalhadores. Além disso, se está claro que o governo do PS não serve e o do PSD, com ou sem apoio dos partidos à sua direita, também não, então é responsabilidade da esquerda apresentar uma alternativa a todas essas forças.

Nenhuma nova geringonça do PS com a esquerda parlamentar fará o governo ser radicalmente diferente em relação aos últimos 8 anos. Por outro lado, o receio de a direita governar ou de o CHEGA crescer nas eleições não pode ser desculpa para eternizar o PS e os seus governos, que respondem aos grandes grupos económicos e aos patrões. Este governo e este orçamento já mostraram ao que vinham e o que valiam: perda de qualidade de vida e de poder de compra, incentivos para as empresas e mais impostos indirectos, em suma, um orçamento de empobrecimento que mesmo a direita tinha dificuldades em criticar.

Por isso, no MAS, defendemos a construção de uma verdadeira alternativa de esquerda, com base num programa que inclua:

  • Atualização trimestral dos salários e pensões, acima da inflação

  • Taxação dos lucros extraordinários dos grandes grupos económicos

  • Controlo dos preços das rendas e das taxas de juro

  • Fim dos projetos de prospecção, avaliação e exploração de lítio

  • Reforço dos meios materiais e humanos do SNS e da escola pública

  • Ampliação e gratuitidade da rede de transportes públicos, especialmente da ferrovia

  • Criação de uma rede pública de creches, lares, lavandarias e cantinas

  • Nacionalização do setor energético

  • Controlo público da água e requalificação da rede de distribuição